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É do estipulante o dever de informação prévia nos seguros coletivos

03/03/2023

A 2ª Seção do STJ, através de precedente qualificado obrigatório (Recurso Repetitivo), consolidou o entendimento de que, no seguro coletivo, é do Estipulante o dever de informar aos pretensos segurados as condições contratuais da apólice.                                                                                                                                             

 


 

Em julgamento realizado na sessão do dia 02/03/2023, a 2ª Seção do STJ, por meio da análise dos Recursos Especiais nº 1874811/SC e nº 1874788/SC de relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, afetados sob o rito dos Recursos Repetitivos (TEMA 1112), fixou a seguinte tese jurídica:

“(i) Na modalidade de contrato de seguro de vida coletivo, cabe exclusivamente ao estipulante, mandatário legal e único sujeito que tem vínculo anterior com os membros do grupo (estipulação própria), a obrigação de prestar informações prévias aos potenciais segurados a respeito das condições contratuais quando da formalização da adesão, incluídas as cláusulas limitativas e restritivas de direito previstas na apólice mestre, e (ii) não se incluem, no âmbito da matéria afetada, as causas originadas de estipulação imprópria e de falsos estipulantes, visto que as apólices coletivas nessas figuras devem ser consideradas apólices individuais, no que tange ao relacionamento dos segurados com a sociedade seguradora.”

Embora o Acórdão ainda não tenha sido disponibilizado, a teor da sessão de julgamento, o Ministro Relator esclareceu que, não obstante a matéria tenha sido afetada sob o rito dos Recursos Repetitivos (art. 1.036, CPC/15), a tese reflete o já consolidado entendimento no âmbito das duas Turmas (Terceira e Quarta) de Direito Privado da Corte.

Durante o julgamento, a Ministra Isabel Gallotti destacou, em síntese, que quando da elaboração do contrato mestre – ao qual futuramente vão aderir aqueles que são vinculados ao estipulante -, estão sendo negociadas as suas condições básicas. Isto é, o Estipulante procurará o Segurador e informará as características da pretensa massa segurada (idade, ocupação e outros fatores que influenciarão no risco assumido pelo Segurador). Assim, ao discutir o contrato mestre, as tratativas ocorrem entre Estipulante e Segurador, momento em que se definem quais serão os limites cobertos, ou não, pelo contrato, sem a participação daqueles que, posteriormente, se tornarão segurados.

A Ministra explica também que, uma vez celebrado o contrato de seguro (entre Estipulante e Segurador exclusivamente), compete ao Estipulante informar à massa segurada os limites da apólice por ele (Estipulante) contratada, sejam os riscos cobertos, os excluídos, bem como as cláusulas restritivas e limitativas do direito dos segurados.

Outrossim, não se pode deixar de citar que o julgamento do Repetitivo se deu por maioria, havendo apenas uma divergência, posta no voto do Ministro Raul Araújo, que entende pela impossibilidade de deixar de reconhecer a responsabilidade do Segurador, vez que na visão do Ministro, não haveria dificuldade de este ir ao encontro do grupo de pessoas que irá segurar e informar todas as cláusulas, diferente do seguro individual, em que o corretor angaria um a um os segurados. Contudo, o Ministro foi voto vencido, sendo que todos os demais julgadores acompanharam o relator.

Como mencionado pelo Relator, a tese fixada é reflexo do entendimento atualmente sedimentado pela Corte Federal. A alteração dos rumos da jurisprudência do STJ teve início no âmbito da Terceira Turma, especialmente com o julgamento do REsp nº 1825716/SC de 27/10/2020 com relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze.

No referido julgado, o Relator fez a correta distinção entre seguro individual e coletivo, posto que, enquanto na primeira modalidade o Segurador é procurado pelo próprio segurado e, assim, tem o dever e a possibilidade física de lhe informar das cláusulas contratuais, no seguro coletivo o tomador do seguro, isso é, o estipulante, busca o Segurador para celebrar o contrato de seguro coletivo, representando aqueles possíveis segurados (art. 801 §1º do Código Civil, e art. 21, § 2º, do Decreto Lei n. 73/1966), e assumindo a responsabilidade pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais, inclusive de informá-los quando estes optarem por aderir a apólice.

Nas palavras do Ministro Buzzi “como decorrência do princípio da boa-fé contratual, é imposto ao segurador, antes e por ocasião da contratação da apólice coletiva de seguro, o dever legal de conceder todas as informações necessárias à sua perfectibilização ao estipulante, que é quem efetivamente celebra o contrato em comento. Inexiste, ao tempo da contratação do seguro de vida coletivo, e muito menos na fase pré-contratual, qualquer interlocução direta da seguradora com os segurados, individualmente considerados, notadamente porque, nessa ocasião, não há, ainda, nem sequer definição de quem irá compor o grupo dos segurados.

Assim, por inexistir interlocução na fase pré-contratual e tampouco nas tratativas entre Segurador e pretenso Segurado, cabe exclusivamente ao Estipulante prestar todas as informações aos seus empregados ou associados, para que estes optem ou não em aderir ao seguro.

Posterior ao julgamento supramencionado, a Quarta Turma também acabou por acompanhar o posicionamento adotado, vide REsp nº 1850961/SC, o que explica, portanto, a afirmação do Ministro Cuevas, de que o entendimento já era pacificado.

A decisão, tomada no âmbito do Recurso Repetitivo, tem força de precedente qualificado em todo o país, sendo, portanto, de observância obrigatória pelos julgadores de primeira e segunda instância (art. 927, III, CPC/15).

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i Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=3bbUEQW9axY&t=5331s>
ii Art. 1.036. Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça.
iii RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA, COM BASE EM CONTRATO DE SEGURO DE VIDA EM GRUPO. CONTROVÉRSIA CONSISTENTE EM DEFINIR DE QUEM É O DEVER DE INFORMAR PREVIAMENTE O SEGURADO A RESPEITO DAS CLÁUSULAS RESTRITIVAS DE COBERTURA FIRMADA EM CONTRATO DE SEGURODE VIDA EM GRUPO. ESTIPULANTE QUE, NA CONDIÇÃO DE REPRESENTANTE DOGRUPO DE SEGURADOS, CELEBRA O CONTRATO DE SEGURO EM GRUPO E TEM O EXCLUSIVO DEVER DE, POR OCASIÃO DA EFETIVA ADESÃO DO SEGURADO, INFORMAR-LHE ACERCA DE TODA A ABRANGÊNCIA DA APÓLICE DE SEGURO DE VIDA. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 1. A controvérsia posta no presente recurso especial centra-se em identificar a quem incumbe o dever de prestar informação prévia ao segurado a respeito das cláusulas limitativas/restritivas nos contratos de seguro de vida em grupo, se da seguradora, se da estipulante, ou se de ambas, solidariamente. 2. Ausência, até o presente momento, de uma deliberação qualificada sobre o tema, consistente no julgamento de um recurso especial diretamente por órgão colegiado do STJ, em que se concede às partes a oportunidade de fazer sustentação oral. A despeito dessa conclusão, é de se reconhecer que a questão vem sendo julgada por esta Corte de Justiça, com base, sem exceção, em um julgado desta Terceira Turma (Recurso Especial n. 1.449.513/SP), que não tratou, pontualmente, da matéria em questão, valendo-se de argumento feito, obter dictum, com alcance diverso do ali preconizado.
2.1 Necessidade de enfrentamento da matéria por esta Turma julgadora, a fim de proceder a uma correção de rumo na jurisprudência desta Corte de Justiça, sempre salutar ao aprimoramento das decisões judiciais.
3. Como corolário da boa-fé contratual, já se pode antever o quanto sensível é para a higidez do tipo de contrato em comento, a detida observância, de parte a parte, do dever de informação. O segurado há de ter prévia, plena e absoluta ciência acerca da abrangência da garantia prestada pelo segurador, especificamente quanto aos riscos e eventos que são efetivamente objeto da cobertura ajustada, assim como aqueles que dela estejam excluídos. Ao segurador, de igual modo, também deve ser concedida a obtenção de todas as informações acerca das condições e das qualidades do bem objeto da garantia, indispensáveis para a contratação como um todo e para o equilíbrio das prestações contrapostas.
4. Encontrando-se o contrato de seguro de vida indiscutivelmente sob o influxo do Código de Defesa do Consumidor, dada a assimetria da relação jurídica estabelecida entre segurado e segurador, a implementação do dever de informação prévia dá-se de modo particular e distinto conforme a modalidade da contratação, se “individual” ou se “em grupo”.
5. A contratação de seguro de vida coletivo dá-se de modo diverso e complexo, pressupondo a existência de anterior vínculo jurídico (que pode ser de cunho trabalhista ou associativo) entre o tomador do seguro (a empresa ou a associação estipulante) e o grupo de segurados (trabalhadores ou associados). 5.1 O estipulante (tomador do seguro), com esteio em vínculo jurídico anterior com seus trabalhadores ou com seus associados, celebra contrato de seguro de vida coletivo diretamente com o segurador, representando-os e assumindo, por expressa determinação legal, a responsabilidade pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais perante o segurador.
5.2 O segurador, por sua vez, tem por atribuição precípua garantir os interesses do segurado, sempre que houver a implementação dos riscos devidamente especificados no contrato de seguro de vida em grupo, cuja abrangência, por ocasião da contratação, deve ter sido clara e corretamente informada ao estipulante, que é quem celebra o contrato de seguro em grupo.
5.3 O grupo de segurados é composto pelos usufrutuários dos benefícios ajustados, assumindo suas obrigações para com o estipulante, sobretudo o pagamento do prêmio, a ser repassado à seguradora.
6. É relevante perceber que, por ocasião da contratação do seguro de vida coletivo, não há, ainda, um grupo definido de segurados. A condição de segurado dar-se-á, voluntariamente, em momento posterior à efetiva contratação, ou seja, em momento em que as bases contratuais, especificamente quanto à abrangência da cobertura e dos riscos dela excluídos, já foram definidas pelo segurador e aceitas pelo estipulante. Assim, como decorrência do princípio da boa-fé contratual, é imposto ao segurador, antes e por ocasião da contratação da apólice coletiva de seguro, o dever legal de conceder todas as informações necessárias a sua perfectibilização ao estipulante, que é quem efetivamente celebra o contrato em comento. Inexiste, ao tempo da contratação do seguro de vida coletivo — e muito menos na fase pré-contratual — qualquer interlocução direta da seguradora com os segurados, individualmente considerados, notadamente porque, nessa ocasião, não há, ainda, nem sequer definição de quem irá compor o grupo dos segurados. 7. Somente em momento posterior à efetiva contratação do seguro de vida em grupo, caberá ao trabalhador ou ao associado avaliar a conveniência e as vantagens de aderir aos termos da apólice de seguro de vida em grupo já contratada. A esse propósito, afigura-se indiscutível a obrigatoriedade legal de bem instruir e informar o pretenso segurado sobre todas as informações necessárias à tomada de sua decisão de aderir à apólice de seguro de vida contratada. Essa obrigação legal de informar o pretenso segurado previamente à sua adesão, contudo, deve ser atribuída exclusivamente ao estipulante, justamente em razão da posição jurídica de representante dos segurados, responsável que é pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais assumidas perante o segurador. Para o adequado tratamento da questão posta, mostra-se relevante o fato de que não há, também nessa fase contratual, em que o segurado adere à apólice de seguro de vida em grupo, nenhuma interlocução da seguradora com este, ficando a formalização da adesão à apólice coletiva restrita ao estipulante e ao proponente.
8. Em conclusão, no contrato de seguro coletivo em grupo cabe exclusivamente ao estipulante, e não à seguradora, o dever de fornecer ao segurado (seu representado) ampla
e prévia informação a respeito dos contornos contratuais, no que se inserem, em especial, as cláusulas restritivas.
9. Recurso especial improvido.
iv Art. 801. O seguro de pessoas pode ser estipulado por pessoa natural ou jurídica em proveito de grupo que a ela, de qualquer modo, se vincule.
§ 1 o O estipulante não representa o segurador perante o grupo segurado, e é o único responsável, para com o segurador, pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais.
v Art 21. Nos casos de seguros legalmente obrigatórios, o estipulante equipara-se ao segurado para os eleitos de contratação e manutenção do seguro.
§ 2o Nos seguros facultativos o estipulante é mandatário dos segurados.
vi RECURSO ESPECIAL. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. ESTIPULANTE. REPRESENTANTE DOS SEGURADOS. RESPONSABILIDADE DE PRESTAR INFORMAÇÕES AOS ADERENTES. INVALIDEZ PARCIAL. DOENÇA OCUPACIONAL. RISCO EXCLUÍDO NA APÓLICE COLETIVA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
1. No seguro de vida em grupo, o estipulante é o mandatário dos segurados, sendo por meio dele encaminhadas as comunicações entre a seguradora e os consumidores aderentes.
2. O dever de informação, na fase pré-contratual, é satisfeito durante as tratativas entre seguradora e estipulante, culminando com a celebração da apólice coletiva que estabelece as condições gerais e especiais e cláusulas limitativas e excludentes de riscos. Na fase de execução do contrato, o dever de informação, que deve ser prévio à adesão de cada empregado ou associado, cabe ao estipulante, único sujeito do contrato que tem vínculo anterior com os componentes do grupo segurável. A seguradora, na fase prévia à adesão individual, momento em que devem ser fornecidas as informações ao consumidor, sequer tem conhecimento da identidade dos interessados que irão aderir à apólice coletiva cujos termos já foram negociados entre ela e o estipulante.
3. Havendo cláusula expressa afastando a cobertura de invalidez parcial por doença laboral, a ampliação da cobertura para abranger o risco excluído, e, portanto, não considerado no cálculo atuarial do prêmio, desequilibraria o sinalagma do contrato de seguro.
4. Recurso especial não provido.
vii Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;