MAIS DE 45 ANOS PRESTANDO SERVIÇOS COM QUALIDADE

Negociação: Alternativa eficaz contra a morosidade de processos judiciais

13/08/2020

INTRODUÇÃO

O atual cenário econômico, especialmente sob ótica das relações contratuais, tende a trazer inúmeras preocupações, seja para as grandes corporações e empresas, seja para o pequeno comerciante, isto, naturalmente causados pelos impactos – os que já vem acontecendo, e, aqueles que virão –, que a pandemia da COVID-19 trará aos negócios, especialmente sob o seu impacto sobre a segurança econômica.

 

Nesse contexto, os mais diversos profissionais das áreas da Economia, Administração e do Direito, tem trazido essa discussão, ao que parece ao conhecimento de grande parte da sociedade, porquanto se posicionando e trazendo suas opiniões e reflexões nas diversas lives que tem tomado conta das redes sociais, todos, por sua vez, buscando a apresentação das mais diferentes alternativas para tratamento das relações negociais com viés econômico.

 

Observa-se que esses diversos especialistas vêm tratando das consequências da pandemia na ordem econômica sob diferentes aspectos. Alguns que vem estudando e defendendo diferentes medidas teóricas que poderiam trazer conforto e saúde financeira a sociedade como um todo; já, de outro lado, existem os mais radicais que apontam os caminhos mais diversos e criativos como solução de eventuais problemas da economia.

 

Contudo, é uníssono nesses mais diversos debates que a dimensão atingida pelo Corona Vírus é a maior que qualquer outra já vista, até o presente momento, neste século, e, neste sentido, suas consequências serão enfrentadas por um longo período de tempo e em todas as esferas.

 

Neste cenário é imperioso ressaltar que a discussão visando a segurança jurídica e a proteção dos direitos é medida imperativa no Estado Democrático de Direito, e, mais do que isso, deve servir como baliza para assegurar a garantia do mesmo. Contudo, a par disto, pensamentos que apontam a norma consumerista e civilista (Teoria da Imprevisão) como justificativas para o inadimplemento devem ser refutados.

 

Ao lado disto, verifica-se que a pandemia trouxe diversas mudanças nas relações contratuais e na posição em que as partes adotarão em seus vínculos, e, dentre elas deve prevalecer habilidades como o bom senso, empatia e equilíbrio entre as partes que compunham essas relações.

 

O que se percebe de toda a preocupação social e econômica é que na esfera jurídica da resolução de conflitos há uma forte e atual tendência no sentido de que a judicialização de demandas com o intuito de resolver discordâncias entre as partes, tendência do início dos anos 2000, pautando-se em causas excludentes ou imprevisíveis, deve ser a ultima ratio. Antes, é necessário que sejam buscadas alternativas que satisfaçam a todos os envolvidos, evitando com isso uma disputa judicial desgastante e dispendiosa.

 

No decorrer do presente realizar-se-á o apontamento de algumas teorias defendidas por aqueles que pregam pela suspensão imediata dos pagamentos das obrigações pautados nas regras do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil, ao passo do impacto futuro de referidas demandas junto ao Judiciário, trazendo a par de tudo isto solução negocial como medida imperativa, alternativa e mais assertiva diante do cenário vivenciado.

 

DO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES

É fato que o momento atual é diferente (sob diversos aspectos) de quaisquer outros que a sociedade mundial já passou. Está além de outras pandemias, de grandes descobertas ou de uma grande guerra mundial, porquanto, atualmente as grandes economias mundiais tiveram de paralisar ou reduzir suas atividades econômicas, a exemplo de China, EUA e Alemanha, mas principalmente, por não haver qualquer parâmetro de comparação aos impactos ocasionados (presentes e futuros).

 

No entanto, pode-se afirmar que nada será como antes! Um exemplo simples disso é a forçada readequação das empresas para fornecimento de seus serviços sob o regime do home office.

 

E a premissa é válida e extremamente atual no que tange as relações negociais econômicas. É fato que no decorrer do pós-pandemia caberá aos nossos governantes adotarem medidas para recuperação da ordem econômica, seja pela concessão de benefícios fiscais, linhas de crédito e políticas que visem a aceleração dos ativos do país.

 

A par de todas as futuras medidas de recuperação da economia pautadas nas políticas governamentais, teremos, sem sombra de dúvidas, as querelas decorrentes das relações negociais, afinal, não se pode deixar de olvidar que todos nós, em nosso dia a dia, estamos passando por preocupações de ordem financeira.

 

E aqui alguns questionamentos merecem destaque, por exemplo: como tenho tratado minhas dívidas? Como tenho tentando negociar com os meus credores? A condução e a posição que estou adotando são coerentes com meu plano de recuperação?

 

As respostas a essas perguntas podem ser as mais diversas possíveis, contudo, iremos nos ater a uma delas, que justificará a posição adotada no presente estudo acerca da importância da esfera negocial como alternativa para solução de conflitos.

 

Recentemente, verificou-se o crescimento de debates jurídicos acerca do não pagamento de dívidas, defendendo que a pandemia traz as relações negociais o necessário reconhecimento da aplicação da Teoria da Imprevisão (prevista no art. 317 do Código Civil) como justificativa para o inadimplemento.

 

Esclarece-se que o citado dispositivo trata de relações privadas, ou seja, firmadas entre particulares, que podem ser, de acordo com nosso ordenamento jurídico, revistas com fulcro na readequação da posição dos contratantes, isto é, a comutatividade do contrato, justificada pela imprevisibilidade.

 

Pois bem, nesta esteira, de salutar relevância ser observado que mesmo na aplicação da readequação da posição dos contratantes revistas sob égide da teoria da imprevisão, tem-se que a mesma visa a adequação ou preservação da comutatividade do contrato, e não simplesmente a exoneração da dívida, até mesmo porque ao liberar alguém de uma obrigação causa prejuízo a outra parte, ou seja, não se pode admitir que se cause um benefício a um dos contratantes em detrimento a outro. Há necessidade de uma equivalência na relação negocial.

 

Isso significa dizer que os contratantes deverão cumprir com suas obrigações, embora a situação econômica, de DIFICULDADE MOMENTÂNEA, possa seduzir para que haja a judicialização dos contratos visando o perdão da dívida, no entanto, esta não pode ser adotada como o melhor caminho para solução das relações negociais.

 

É fato público e notório, e, mais do que isso, pautado na existência de norma específica que contratos podem ser revistos, na medida da equidade necessária, com o intuito de readequação das prestações e em conformidade com a vontade de ambas as partes. Contudo aqui busca-se refletir se levar essas questões ao Judiciário é o melhor caminho.

 

É claro que o momento é de muita cautela, principalmente acerca do cenário futuro, porquanto estarmos entrando em um período de recessão econômica, o que não pode ser levado em consideração para fins de justificativa para aplicação de modo indeterminado das teorias existentes.

 

Atualmente nossos Tribunais contam com centenas de milhares de demandas com vistas a revisão de contratos, que vem abarrotando o sistema Judiciário, sem, no entanto, trazer as partes o resultado útil almejado. Ao contrário disto, esses processos tendem a durar anos e anos sem qualquer deslinde a contento dos demandantes. E, ao final dessa longa disputa judicial, aquele objetivo inicial já não é o que a parte gostaria de ter alcançado no início da disputa.

 

O tempo de um processo é diferente do tempo da economia, que, por sua vez, é diferente do tempo do contrato, que pode ser ajustado inter pars: como o tempo de pagamento, forma de pagamento e ajuste de garantias.

 

Sabemos que o sistema Judiciário, embora as inúmeras melhorias realizadas, é extremamente sobrecarregado, que por si só acarreta na morosidade excessiva do julgamento de demandas, que, diante da realidade atual, estaria apenas a prorrogar os prejuízos futuros para a realidade econômica.

 

Em recente participação em uma live, o Min. João Otávio Noronha, do Superior Tribunal de Justiça, manifestou entender temerário o posicionamento do legislador em propor regras para suspender processos judiciais executivos pelo período do estado de calamidade (PL 675/2020 ou 872/202 do Senado Federal, por exemplo). Para o Ministro o correto seria a propositura legislativa ser no sentido de suspender eventual prazo prescricional neste período, visando a tentativa de oportunizar a composição entre as partes, criticando ainda a postura do legislador, entendendo não ser admissível sua interferência no setor econômico financeiro por meio de moratórias inconsequentes, vez que a volta da economia não será possível ajustando de um lado, e desajustando de outro.

 

Assim, equalizar a posição dos contratos, e readequar a oportunidade de reestabelecimento das relações negociais não pode ser trazida para a esfera da ordem jurídica, a qual não deve ser usada para legitimar perdão de dívida ou o inadimplemento contumaz, mas sim devemos usar as questões do momento para fortalecer as vias negociais, que deverão ser a premissa inicial de qualquer relação contratual.

 

A NEGOCIAÇÃO COMO MEDIDA ALTERNATIVA EFICAZ NAS RELAÇÕES COMERCIAIS

A pergunta que se faz, portanto, é qual seria a melhor forma de atender os interesses de todos os envolvidos numa relação comercial, para que todos saíam deste cenário, mesmo diante das adversidades, com possibilidade de permanecer com sua atividade, e, podendo dar sustentabilidade a retomada do cenário econômica e ao mercado como um todo?

 

Salienta-se de antemão que não há apenas uma resposta correta, ou mais assertiva para o questionamento, mas sim, a busca por saídas que possam trazer uma solução mais satisfatória para este cenário.

 

Passando por diversas premissas, sejam elas as mais radicais (como é o caso da suspensão do adimplemento de qualquer obrigação e a partida para judicialização) e as mais suaves, como perdão de dívida, exoneração de pagamento, prolongamento de pagamentos, entre outros. Deste modo, é de se concluir que a melhor resposta para a indagação é a busca por uma alternativa que há muito tempo tem se tentado introjetar e que é prática do cotidiano de qualquer indivíduo: a negociação.

 

Embora, extremamente clichê, mas nada desatual, a máxima de que estamos negociando em todos os momentos de nossa vida, desde a hora que acordamos até o momento em que vamos dormir (e, as vezes, negociamos com o próprio sono) é totalmente verdadeira. Em diversas horas de nossos dias, seja em uma relação familiar, comercial ou profissional, sempre buscamos formas de conseguirmos ter um determinado interesse atendido, e, de outro lado, buscamos atender o interesse de determinado indivíduo ou coletividade.

 

A realidade dos dias de hoje deve fazer com que o olhar seja para o futuro, ou seja, as bases que utilizarmos hoje para construirmos as relações comerciais serão fundamentais para a colheita dos frutos no pós-pandemia, pois serão as bases de sustentabilidade da economia como um todo.

 

Fica claro a todo o instante que se vive em um momento de flexibilização, o que é totalmente oposto ao processo de judicialização, anteriormente citado, tudo isto, visando o atingimento de interesses de toda a sociedade, objetivando o crescimento econômico e o progresso da economia brasileira, e, com isso o interesse dos próprios negociantes.

 

Neste sentido é que a negociação é inserida como medida alternativa eficaz para solução de conflitos e se torna uma medida indicada para maior efetividade, isto porque, com essa técnica precisamos desenvolver diversos aspectos inter pars, ou seja, olha-se o real interesse de quem está se negociando, criando uma relação empática, e principalmente, que tenha maior e melhor efetividade para os dois lados.

 

Além do cenário que estamos vivendo, o avanço da ciência negocial é fonte direta de uma sociedade participativa, pujante em relação às diversas searas econômicas, atrelado ao fato de que batalhas judiciais são totalmente morosas e, que na sua maioria atingem decisões que não são sustentáveis para todos os lados (aí, cria-se o ganha e não leva).

 

Nesta senda, outro jargão popular, mas que agora desmistificamos, é o famoso “perder para ganhar”. Ao entrar em um cenário de negociação o intento principal é que ambas as partes ganharão algo, isto é, devo me colocar no lugar do outro, ter em mãos as minhas táticas e saber até onde posso ceder, mas, sempre levando em consideração que haverá concessões de ambos os lados. Se colocar em uma mesa de negociação com o pensamento de que não vou ceder em nada, é um total aceno ao fracasso da tentativa negocial.

 

Ao se colocar em uma negociação é necessário saber até onde é possível ceder ou, de outro lado, exigir. Assim, ao se colocar nesta situação é possível saber exatamente os pontos fracos e fortes que será possível estar sendo utilizado, e, destes traçar quais as estratégias e alternativas que serão lançadas para o atingimento do intento negocial ou alcance de determinados objetivos

 

E para o sucesso da negociação deve haver, além da boa intenção, disponibilidade, vontade e empatia, uma especial atenção ao aspecto relacionado a comunicação entre os envolvidos no processo.

 

Uma informação lançada de maneira equivocada ou não transparente, que leve a má interpretação, poderá causar uma verdadeira tragédia neste cenário negocial e rachaduras na relação de confiança que é preciso ser conquistada que frustrarão quaisquer objetivos que tenha sido intencionado.

 

Destaque-se, nesta esteira, que é imperioso o adequado preparo para o processo negocial, isto porque, além de saber quais são os seus interesses, cabe a um bom negociador saber entender o que o seu interlocutor almeja, qual o perfil e o tipo de negociação está sendo realizada, e até onde é possível ceder (BATNA).

 

Neste sentido, fica mais evidente que uma boa negociação necessita além do entendimento e da boa vontade dos envolvidos, que haja a utilização de técnicas que visem dar maior eficiência a todo processo negocial, para que ao final, como dito anteriormente, todas as partes envolvidas se sagrem satisfeitas com o resultado final obtido.

 

O processo de negociação, como dito, é uma ciência que vem sendo desenvolvida visando trazer celeridade às celeumas e não só as judiciais, mas a todas aquelas que podem vir a afetar determinada sociedade ou organização. E, no decorrer dos anos vem se dando tamanha importância a esse processo como ciência, que a Universidade de Harvard criou em sua cadeira de ensino em sua grade disciplinar, criando um programa específico para desenvolvimento das técnicas e habilidades negociais (www.pon.harvard.edu).

 

Mas é preciso destacar mais uma vez que as negociações, estão pautadas em princípios, contudo, não se pode deixar de lado que o principal é o da reciprocidade. É fato que se alguém te tratar bem, você tende a tratar bem também, e, o inverso também se faz presente.

 

Para se ter uma negociação boa, eficaz e satisfatória, é necessária que se tenha uma relação transparente, e que possa deixar clarividente aos negociantes o que efetivamente precisa ser dito, feito e realizado no cenário negocial.

 

Além disso, é extramente importante que o foco seja o de que a relação negocial deve ser empática, e buscar essa característica é ser firme e convicto no seu interesse, mas, se colocando no lugar do seu interlocutor.

 

Para o êxito desse processo de negociação devem se valer da utilização de técnicas adequadas, com consciência de que a partir delas o interesse comum será alcançado, e é isso que deve ser ponderado quando se pensa no pós-pandemia, pois o efeito desse processo negocial será sentido exatamente no momento posterior ao que estamos passando. Os efeitos futuros serão consequências diretas dos bons negócios que fizemos no cenário atual, e, para que estes sejam firmados é preciso que haja aplicação da boa técnica negocial.

 

Portanto, negociar é bem mais do que um perde, ganha! E, esse olhar cientifico visando preparar o momento futuro é fundamental para que possamos organizar os riscos e realocar a posição junto ao mercado.

 

O caminho para o sucesso e sustentabilidade do mercado econômico, e, com isso, e dos mais diversos negócios será a efetivação de boas negociações. É possível que a energia gasta se preparando neste processo negocial, se torne o grande trunfo para o sucesso futuro.

 

A sociedade somente terá êxito em sua recuperação econômica se aprender que a judicialização de imbróglios não é a medida mais adequada, ao contrário, o exercício do papel negocial e as oportunidades que esta ciência pode trazer é que poderão ser a base sólida que levará a recuperação econômica.

 

Reciprocidade, empatia, comunicação e importância, são fundamentais para o êxito e sustentabilidade futura.

 

Não basta querer negociar e pensar que o interlocutor terá de ceder mais ou menos, mas sim que a obtenção de bons resultados em muito mais tem a ver com todas as etapas do processo, observando todas as técnicas oferecidas pela ciência negocial.

 

Diante de tudo isto, conclui-se que quando há necessidade de intervenção do Judiciário os custos se tornam excessivos, a morosidade se torna um problema, e, deixa-se a decisão à mercê do julgador, que não raras vezes deixa de levar em consideração a necessidade individuais e coletivas dos demandantes. De outro lado, utilizando-se de medidas alternativas, como a negociação, as consequências poderão ser muito mais benéficas, baratas, satisfatórias, e, sustentáveis para todas os envolvidos, trazendo, com isso, o real sentimento de realização.

 

Buscar o aperfeiçoamento das técnicas e utilizar a negociação como saída para solução de conflito é ferramenta imperiosa e importantíssima para a sociedade se recuperar dos efeitos causados pelo cenário atual, objetivando especialmente a manutenção da atividade econômica e visando possibilitar se vislumbrar uma recuperação mais eficiente e rápida da economia geral.

 

APONTAMENTOS E REFERÊNCIAS

¹Webinar realizado em 27/05/2020 pelo CONJUR – “Segurança na crise – Impactos da pandemia no Sistema Financeiro”: https://www.youtube.com/watch?v=TzGvQ9UBPHA&feature=emb_title

²Podcast “Direito 4.0 – Como se tornar um Excelente Negociador”

³Webinar realizado em 07/05/2020 pelo UOL – “Covid-19: Contra judicialização e calote, especialistas defendem negociação”: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/05/07/covid-19-contra-judicializacao-e-calote-especialistas-defendem-negociacao.htm

⁴FERRAZ, Eduardo. Negocie Qualquer Coisa com Qualquer Pessoa. 12ª edição. Ed.: Gente. 2019.

⁵CIALDINI, Robert B. As Armas da Persuasão – Como Influenciar e não se deixar influenciar. Ed. Sextante. 2019.

⁶www.pon.harvard.edu