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O bloqueio de cartão de crédito como medida atípica no processo de execução

23/02/2023

Com o advento do Código de Processo Civil de 2015, foi introduzido, na legislação brasileira, o dispositivo inserto no artigo 139, inciso IV, que permite a utilização de medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial. Nesse sentido,

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

(…)

IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.

Os denominados procedimentos indutivos, coercitivos, mandamentais ou sub-rogatórios, previstos na legislação, nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária, perfazem-se em medidas executivas atípicas, utilizadas para persuadir os devedores a cumprir uma ordem judicial de pagamento. Por conseguinte, possuem, como finalidade, a satisfação do interesse do credor com o adimplemento de seu crédito.

Nesse contexto, a norma permite ao Magistrado adotar ações diferenciadas, desde que analisadas as circunstâncias específicas do caso concreto, observados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, e que sejam aplicadas em caráter excepcional, ante a frustração dos atos expropriatórios comuns, considerados típicos.

Precisamente, tais delimitações foram estabelecidas pelo Superior Tribunal de Justiça, o qual firmou o entendimento de que a adoção de medidas executivas atípicas prescinde do atendimento aos seguintes requisitos: i) existência de indícios de que o devedor possua patrimônio apto a cumprir com a obrigação a ele imposta; ii) decisão devidamente fundamentada, com base nas especificidades constatadas; iii) medida atípica utilizada de forma subsidiária, dada a menção de que foram promovidas diligências à exaustão para a satisfação do crédito; e iv) observância do contraditório e do postulado da proporcionalidade (REsp. 1.894.170/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado em 27/10/2020, DJe 12/11/2020).

Constata-se, como exemplos de meios ATÍPICOS, o bloqueio e a retenção da carteira nacional de habilitação (CNH), bem como a suspensão de passaporte. Nada obstante, outro interessante meio atípico passou a ser difundido para assegurar o cumprimento de dívida pecuniária, qual seja, o bloqueio de cartão de crédito, cuja medida será objeto da presente análise.

O procedimento em questão consubstancia-se na expedição de ordem às empresas integrantes do Sistema Financeiro Nacional, determinando que promovam o bloqueio dos cartões de créditos vinculados ao CPF ou CNPJ da pessoa executada.

Trazendo a teoria para a esfera da realidade fática, denota-se que a medida vem sendo amplamente empregada na justiça especial. A título de exemplo, cita-se a decisão proferida em 18/02/2022, no agravo de petição no 0011838-67.2017.5.18.0017, pela Terceira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18a Região (GO). No caso paradigma, o TRT admitiu o bloqueio de cartões de crédito, com o objetivo de “estimular, no âmbito psicológico, o cumprimento das obrigações junto ao credor trabalhista”. A propósito:

BLOQUEIO DE CARTÕES DE CRÉDITO. É cabível o bloqueio de cartões de crédito dos executados, pessoas físicas, para fins de estimular, no âmbito psicológico, o cumprimento das obrigações junto ao credor trabalhista. Isso porque, em princípio, dispondo eventualmente de crédito para interesses comerciais, podem os devedores utilizar-se dele para saldar suas dívidas, em especial as de caráter alimentício. (TRT da 18a Região; Processo: 0011838- 67.2017.5.18.0017; Data: 19-12-2022; Órgão Julgador: Gab. Juiz Convocado Cesar Silveira – 1a TURMA; Relator(a): CÉSARJSILVEIRA).

Entretanto, mesmo na Justiça do Trabalho, na tutela do crédito alimentar, nota-se que o recurso vem sendo empregado com parcimônia, posto que também se verificam decisões censurando esse tipo de prática por compreender que ela viola as garantias fundamentais. Assim, é possível afirmar que o entendimento jurisprudencial não é pacificado a esse respeito:

BLOQUEIO DE PASSAPORTE E CARTÕES DE CRÉDITO. SUSPENSÃO DE CNH. A determinação de bloqueio de passaporte e cartões de crédito e de suspensão de CNH, além de adentrar em seara estranha à execução trabalhista, obsta a prática de atos de cidadania, em patente violação às garantias fundamentais da pessoa atingida e ao primado da dignidade humana. E nenhuma dessas providências atende ao princípio da efetividade, pois não se mostram úteis ao cumprimento da obrigação patrimonial imposta ao devedor. O artigo 139, IV, do CPC não tem o elastecimento que se pretende com tais medidas, que não atingem o patrimônio do devedor, mas apenas impõem-lhe constrangimentos que a lei não prevê. (TRT da 18a Região; Processo: 0012229-86.2016.5.18.0007; Data: 26-01-2023; Órgão Julgador: Gab. Des. Gentil Pio de Oliveira – 1a TURMA; Relator(a): GENTIL PIO DE OLIVEIRA)

No âmbito da justiça comum, na execução de verba não alimentar, observa-se que a medida tem sido admitida por diversos tribunais de justiça. À guisa de corroboração, no recurso de Agravo de Instrumento no 2091322-38.2021.8.26.0000, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgou procedente o pedido de bloqueio de cartão de crédito, com o fito de impedir a obtenção de novas dívidas, e, consequentemente, de colaborar com o pagamento da dívida:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE EXECUÇÃO – MEDIDAS COERCITIVAS – BLOQUEIO DE PASSAPORTE – BLOQUEIO DE CARTÃO DE CRÉDITO – I – Decisão que indeferiu o pedido do agravante que visava o bloqueio de passaporte e de cartão de crédito do executado, com fundamento no art. 139, IV, do NCPC – Princípios da razoabilidade e proporcionalidade que devem ser verificados no caso em concreto. – II – Bloqueio de passaporte – Hipótese em que, não obstante as pesquisas de bens restaram infrutíferas, não restou comprovado que estaria o executado, deliberadamente, desfazendo- se dos seus bens para obstar a execução – Entendimento deste E. TJSP no sentido de que a medida pretendida não possui a eficácia de alcançar ou localizar bens pertencentes ao patrimônio do executado, mas apenas impõe restrições à vida civil daquele – Medida que restringe a oportunidade do uso do passaporte para fins profissionais – Descabimento da medida coercitiva pretendida – Observância dos arts. 8o e 805 do NCPC – III – Bloqueio de cartão de crédito – Medida que, embora não tenha caráter patrimonial direto, impede que o devedor

contraia novas dívidas, o que contribui para o pagamento do débito exequendo, assim como evita maior endividamento do agravado – Restrição que não pode atingir cartões de crédito cuja finalidade exclusiva consiste na compra de medicamentos e de alimentos – Execução que se realiza no interesse do credor – Interesse público na prestação jurisdicional – Ausência de violação de direitos subjetivos dos devedores – Precedentes deste E. Tribunal de Justiça – Decisão reformada em parte – Agravo parcialmente provido, com observação. (TJ-SP – AI: 20913223820218260000 SP 2091322-38.2021.8.26.0000, Relator: Salles Vieira, Data de Julgamento: 29/07/2021, 24a Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 29/07/2021)

Em análise perfunctória, observa-se que o bloqueio do cartão de crédito não viola os direitos e garantias fundamentais do titular, previstos na Constituição Federal, apenas acomete uma das modalidades de pagamento da sociedade moderna. Apesar disso, não impede as transações e negócios entre particulares, sobejando ainda as demais formas de pagamento existentes.

Por outro lado, é necessário avaliar a magnitude das consequências da aplicação da medida, principalmente em se tratando o cartão de crédito de um item indispensável para o regular desenvolvimento da atividade profissional do executado, circunstância que poderia acarretar ofensa às prerrogativas fundamentais, ainda que de forma indireta.

Sendo assim, verifica-se que o judiciário, de forma geral, tem admitido a utilização de meios coercitivos indiretos para pagamento de dívida; em contrapartida, guarda legítima cautela a utilização do recurso a depender do caso concreto, uma vez que o processo de execução não possui como finalidade a punição do inadimplente.

É possível concluir, portanto, que os meios comumente utilizados pelos devedores como subterfúgio ao cumprimento de uma obrigação pecuniária não são mais eficazes, porquanto o poder judiciário mostra-se cada vez mais incisivo na tutela dos interesses dos credores, especialmente em se tratando de execução de verba alimentar.