MAIS DE 45 ANOS PRESTANDO SERVIÇOS COM QUALIDADE

O dever de mitigar o próprio prejuízo (duty to mitigate the loss)

12/03/2021

O princípio da mitigação do próprio prejuízo, instituto que a doutrina atribui ter se originado no direito anglo-saxão (“duty to mitigate the loss”),  já encontra ampla ressonância no Brasil como uma das expressões do princípio da boa-fé objetiva (CC/02, art. 422) e da teoria do abuso de direito (CC/02, art. 186). Significa, em apertada síntese, que determinada parte, enquanto credora, seja de uma relação jurídica contratual ou extracontratual, deve sempre agir de modo a não agravar o próprio prejuízo.

 

Nas palavras do Ministro Convocado ao STJ, Lázaro Guimarães, trata-se do “dever, fundado na boa-fé objetiva, de mitigação pelo credor de seus próprios prejuízos, buscando, diante do inadimplemento do devedor, adotar medidas razoáveis, considerando as circunstâncias concretas, para diminuir suas perdas” (REsp 1.201.672/MS¹).

 

Para o Ministro Vasco Della Giustina a ideia principal deste instituto é a de que “a parte que a perda aproveita não pode permanecer deliberadamente inerte diante do dano, pois sua inércia imporá gravame desnecessário e evitável ao patrimônio da outra, circunstância que infringe os deveres de cooperação e lealdade” (REsp nº 758.518/PR).

 

Sob esta premissa, é possível afirmar que o referido instituto, também conhecido como teoria dos prejuízos evitáveis, nada mais é do que uma obrigação da parte em sempre adotar medidas razoáveis à luz das circunstâncias de cada caso concreto, com a finalidade de reduzir suas próprias perdas, ou seja, é a análise “segundo a qual se questiona eventual responsabilidade do devedor por prejuízo que poderia ter sido evitado pelo credor mediante esforço razoável².

 

Em outras palavras, as partes de determinada obrigação, seja ela oriunda de responsabilidade civil contratual ou extracontratual – e até mesmo o credor-consumidor – devem tomar medidas necessárias, possíveis e razoáveis (que qualquer “homem-médio” adotaria) para que eventual dano causado por um agente não seja agravado, nem mesmo pela inércia do credor.

 

É de tamanha relevância o cumprimento deste aludido dever, que eventual descumprimento pode ser considerado abuso de direito, nas hipóteses em que a parte credora, embora lesada como decorrência de inadimplência / ato ilícito, insiste em não tomar as ações necessárias para limitar suas perdas, resultando, nesta hipótese, em gravame desnecessário à parte devedora, que pode acabar vindo a ser demasiadamente prejudicada com a conduta do próprio credor, inerte.

 

Neste prisma, aliás, a parte credora pode até mesmo cometer ato ilícito caso não mitigue seu prejuízo, nos termos do Artigo 187 do Código Civil, assim redigido: Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

 

Sob esta nuance, é de bom alvitre frisar que o dispositivo legal acima mencionado prevê claramente que o abuso de direito por parte de um credor, ao exceder os limites impostos na relação jurídica, seja sob a ótica da boa-fé ou dos bons costumes, comete ato ilícito para todos os fins de direito, podendo ser inclusive responsável por eventuais perdas e danos em desfavor do devedor³, que, embora seja o causador do dano, não foi quem agravou o prejuízo.

 

Com efeito, o dever de mitigar o próprio prejuízo encontra aplicação nas mais diversas relações jurídicas.

 

Em algumas hipóteses, aliás, como é exemplo do contrato de seguro, o Código Civil prevê expressamente o princípio ao prescrever o dever do segurado, de não só comunicar o sinistro para o segurador, mas também de tomar as providências imediatas para que as consequências sejam minoradas (CC/02, art. 771).

 

Aplica-se também à hipótese do credor de lucros cessantes em decorrência de ato ilícito (acidente de trânsito), o qual, a despeito de ter sua propriedade material danificada (veículo de transporte de carga), deixa de agir para limitar os danos que poderiam perdurar indefinidamente.

 

Conclui-se, portanto, que o dever de mitigar o próprio prejuízo, ou, no cunho original, duty to mitigate the loss, é um instituto de elevada importância no ordenamento jurídico pátrio que guarda estrito alinhamento com os princípios da boa-fé, lealdade e cooperação, e deve sempre nortear a conduta das partes em qualquer relação jurídica. Tais princípios – como fonte de obrigações – devem especialmente nortear a conduta das vítimas-credoras de qualquer obrigação, a fim de não permitirem que seus prejuízos sejam agravados, caso lhes seja possível cessá-los ou minorá-los, sob pena de por eles serem responsabilizadas.

 

____________________

¹ RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DUTY TO MITIGATE THE LOSS. INVIABILIDADE NO CASO CONCRETO. JUROS REMUNERATÓRIOS. AUSÊNCIA DE CONTRATO NOS AUTOS. DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA. TAXA MÉDIA DE MERCADO. RECURSO PROVIDO. 1. O princípio duty to mitigate the loss conduz à ideia de dever, fundado na boa-fé objetiva, de mitigação pelo credor de seus próprios prejuízos, buscando, diante do inadimplemento do devedor, adotar medidas razoáveis, considerando as circunstâncias concretas, para diminuir suas perdas. Sob o aspecto do abuso de direito, o credor que se comporta de maneira excessiva e violando deveres anexos aos contratos (v.g: lealdade, confiança ou cooperação), agravando, com isso, a situação do devedor, é que deve ser instado a mitigar suas próprias perdas. É claro que não se pode exigir que o credor se prejudique na tentativa de mitigação da perda ou que atue contrariamente à sua atividade empresarial, porquanto aí não haverá razoabilidade (…)(REsp 1201672/MS, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe 27/11/2017)

 

² TJPR – 10ª C.Cível – 0007298-95.2017.8.16.0173 – Umuarama –  Rel.: Desembargador Domingos Ribeiro da Fonseca –  J. 17.02.2020

 

³ Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

 

Art. 771. Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que o saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as conseqüências.

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA SECURITÁRIA. SEGURO DE VEÍCULO. AUTORA QUE PRETENDE A REPARAÇÃO PELOS DANOS OCASIONADOS EM SEU CAMINHÃO E O RECEBIMENTO DE LUCROS CESSANTES DURANTE O PERÍODO NO QUAL NÃO PÔDE UTILIZAR O VEÍCULO. (…) LUCROS CESSANTES CONFIGURADOS. DEMANDANTE QUE DEMONSTROU QUE O CAMINHÃO ERA UTILIZADO PARA TRANSPORTE DE CARGAS. AVARIAS OCASIONADAS PELO SINISTRO QUE IMPOSSIBILITAM A CIRCULAÇÃO DO BEM. DEVER DE INDENIZAR. ART. 402 DO CC. DOCUMENTOS INSUFICIENTES PARA INDIVIDUALIZAR OS LUCROS CESSANTES. APURAÇÃO DO “QUANTUM DEBEATUR” EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. DEMANDADA QUE PERMANECEU DECIDIDA QUANTO À NEGATIVA. DEVER DA AUTORA, DIANTE DA POSIÇÃO DA RÉ, DE MITIGAR O PRÓPRIO PREJUÍZO. ACOLHIMENTO PARCIAL DO PERÍODO INDICADO. (…) (TJPR – 10ª C.Cível – 0001603-02.2015.8.16.0119 – Nova Esperança –  Rel.: Desembargador Guilherme Freire de Barros Teixeira –  J. 06.07.2020)