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A lei 14.365/22 e a fixação de honorários sucumbenciais por equidade: nova problemática

21/07/2022

A nova lei – embora promulgada com o intuito de sanar controvérsias acerca dos honorários sucumbenciais – traz novas reflexões que podem influenciar a definição do Juiz entre o arbitramento com base na condenação, proveito econômico, valor da causa ou equidade.

A lei 14.365/22, de 02/06/2022, que disposições, dentro outros assuntos sobre a atividade privativa de advogado, solucionou de vez a questão acerca da inaplicabilidade da fixação por equidade quando o valor da causa for muito alto, traz consigo, também, a possibilidade de criar a necessidade de observância pelos julgadores do critério principal (condenação / valor da causa / proveito econômico) em conjunto com a tabela da OAB da respectiva seccional, devendo, em tese, aplicar o que for maior.

 

Desde o Código de Processo Civil de 1976, o tema “honorários sucumbenciais” é uma fonte rica de debates processuais e acadêmicos, e com a entrada em vigor do (já não tão novo) Código de Processo Civil de 2015, o cenário não se alterou.

 

Um dos tópicos que protagoniza as intermináveis discussões é a aplicação da apreciação equitativa para arbitramento dos honorários sucumbenciais, hipótese prevista no artigo 85, § 8º, do CPC/15:

 

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

(…)

  • Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.

 

Isso pois, se por um lado o § 2º[i] do mesmo dispositivo estabeleceu a regra, ou seja, uma ordem preferencial para o arbitramento dos honorários sucumbenciais e, de outro, o §8º, a exceção – vinculando a apreciação equitativa às causas cujo valor do proveito econômico é inestimável ou irrisório, bem como aquelas em que o valor da causa seja muito baixo – é comum se deparar com decisões em que o julgador se utilizava da chamada EQUIDADE INVERSA, ou seja, nas demandas onde a condenação/valor da causa/proveito econômico fosse elevado fugia-se da regra e aplicava-se, erroneamente, a exceção.

 

Felizmente, no julgamento do TEMA REPETITIVO 1076, o Superior Tribunal de Justiça dirimiu a controvérsia por meio de precedente qualificado de observância obrigatória (art. 927, III, CPC/15[ii]), no qual afastou a apreciação equitativa quando os valores da condenação, causa ou proveito econômico forem elevados:

 

  1. i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC – a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa.

  2. ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo.

(REsp n. 1.850.512/SP, relator Ministro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 16/3/2022, DJe de 31/5/2022.)

 

Ocorre que, embora a decisão acima referenciada tenha colocado um ponto final nesse assunto, por outro lado até restava a dúvida: o que pode ser considerado irrisório no tocante ao valor da causa/condenação?

 

É evidente que o Código de Processo Civil em um primeiro momento não se preocupou em fixar limites, deixando ao subjetivismo daquele que aplica a lei avaliar se, por exemplo, na improcedência de um caso cujo valor da causa é R$ 5.000,00 esta é irrisória ou não, já que, notadamente, pela regra os 10% mínimos previstos no § 2º do CPC/15 resultariam em honorários de R$ 500,00, podendo chegar eventualmente até R$ 1.000,00 caso atingisse o teto máximo previsto na lei.

 

Afinal como saber se o o proveito econômico é ou não irrisório, ou se o valor da causa é muito baixo? A resposta é a famosa do direito: depende (ou até pouquíssimo tempo atrás, dependia). Depende de quem recebe, de quem paga e de quem julga.

 

E a ausência de critérios objetivos não se restringe ao campo do que é, ou não, irrisório, mas também quanto ao valor à ser arbitrado no caso de entender-se que sim, é aplicável a citada exceção.

 

Com a entrada em vigor da Lei Nº 14.365/22 em 2 de junho, que alterou o Estatuto da Advocacia e os Códigos de Processo Civil e Penal, ambas problemáticas transcritas até o presente momento parecem, a priori, terem sido resolvidas. Tanto com a extinção (mesmo que fosse fruto de ativismo jurídico) da chamada equidade inversa, quanto da falta de critérios para quando e como utilizar-se da apreciação equitativa.

 

A primeira relevante alteração promovida pela lei foi a introdução do § 6º-A no artigo 85 do CPC/15, que basicamente replica a tese do TEMA 1076 do STJ. Consignou o legislador que não é aplicável a apreciação equitativa quando o valor da causa/proveito econômico/condenação for líquido ou liquidável, exceto nas hipóteses previstas no § 8º. Em outras palavras, reforçou ainda mais o caráter excepcional do método equitativo, que deverá ser utilizado apenas quando a base de fixação for inestimável ou irrisória:

 

  • 6º-A. Quando o valor da condenação ou do proveito econômico obtido ou o valor atualizado da causa for líquido ou liquidável, para fins de fixação dos honorários advocatícios, nos termos dos §§ 2º e 3º, é proibida a apreciação equitativa, salvo nas hipóteses expressamente previstas no § 8º deste artigo.

 

Embora represente uma vitória para classe de advogados, a alteração acima se deu apenas e tão somente depois da decisão do STJ, de modo que eventualmente a regra acima já seria respeitada, por força do precedente qualificado.

 

Porém, outra mudança, ainda mais profunda e que merece de atenção, foi a inclusão do § 8º-A, também do artigo 85, assim descrito:

 

  • -A. Na hipótese do § 8º deste artigo, para fins de fixação equitativa de honorários sucumbenciais, o juiz deverá observar os valores recomendados pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil a título de honorários advocatícios ou o limite mínimo de 10% (dez por cento) estabelecido no § 2º deste artigo, aplicando-se o que for maior.

 

Em uma primeira leitura do trecho acima pode parecer que a alteração serviu apenas para nortear a quantia a ser arbitrada pelo magistrado quando entender que o valor da causa/proveito econômico/condenação for irrisório.

 

Isto é, entendendo pela aplicação da apreciação equitativa deverá observar a tabela emitida pela Seccional da OAB, enquadrar a ação no respectivo valor e comparar com 10% sobre o valor da causa, da condenação ou do proveito econômico, aplicando, assim, o que for maior.

 

Ocorre que o artigo abre margem para transcender a interpretação acima. Isto porque ele poderá trazer consigo uma problemática: Ora, se 10% do valor de qualquer causa (até aquelas em que o valor não pareça irrisório) for MENOR que o mínimo sugerido pela OAB[iii], quer dizer que o valor dado à causa é baixo para fins de honorários? Ou então, do proveito econômico obtido, significa que ele é irrisório?

 

Explica-se. Analise-se a seguinte situação hipotética:

 

É ajuizada uma ação de cobrança de seguro de vida no estado do Paraná, cujo valor da indenização securitária debatido, já atualizado e acrescido de juros, seja de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) e, por força do artigo 292, I[iv] do CPC/15, esse seja o valor atribuído à causa.

 

A demanda é julgada improcedente, e o Magistrado deverá arbitrados os honorários sucumbenciais ao causídico vencedor. Em um primeiro o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) não aparenta ser irrisório, certo? Aplicando-se, então, a regra do art. 85 § 2º do CPC/15, tem-se que os honorários devidos ao advogado seria de, no mínimo, R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), ou seja, 10% sobre o valor da causa.

 

Ocorre que, no estado do Paraná, a tabela de honorários da OAB prevê que nas demandas de indenização de seguro, seja como procurador do Segurado ou do Segurador, o valor sugerido de honorários é de R$ 2.186,81[v], ou o MÍNIMO de 10% sobre o valor da indenização reclamada.

 

Nessa hipótese, verifica-se que: se aplicada a regra (§ 2º) o patrono estará sendo remunerado abaixo do que prevê a exceção (§ 8º-A), quando o intuito da exceção é justamente evitar o arbitramento de honorários aviltantes. Isso porque a inovação trazida pela lei 14.365/15 é “os valores recomendados pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados”, e não o mínimo.

 

Partindo dessas premissas é de se questionar: para uma ação de indenização securitária no Paraná, qualquer causa/condenação que seja INFERIOR ao valor de R$ 21.868,10, aos olhos da inovação, seria tratada como irrisória?

 

Transporte-se a mesma situação para outros estados e a questão se torna ainda mais complexa, posto que cada um possui um valor mínimo para cada tipo de ação. Por exemplo:

 

honorários de sucumbência

 

Essa conclusão decorre logicamente do próprio texto da lei que determina a comparação entre o valor sugerido pela Seccional e o mínimo legal de 10% previsto no § 2º. Isto porque, se em um primeiro momento o Julgador da causa entenda que o valor da causa é irrisório e, portanto, aplicável a apreciação equitativa, deverá ele enquadrar a causa na tabela da OAB e ao mesmo tempo fazer o cálculo de 10%, aplicando o que for maior. Ocorre que, se for a segunda opção, ele não fundamentará com base no §8º e §8º-A, mas sim no § 2º.

 

Sob este prisma, se por um lado a lei tem o condão de extirpar de vez o ativismo jurídico no tocante a inaplicabilidade da exceção em detrimento da regra, ou seja, nas causas de valor elevado utilizar-se a equidade ao invés do valor da causa / condenação, traz consigo também um novo debate, isso é, podemos estar diante de um novo cenário em que o mínimo legal será aquele previsto pela tabela da OAB – já que pela simples leitura do dispositivo deverá o juízo compará-la com o costumeiro mínimo de 10% – o que ao mesmo tempo poderia dar à equidade os critérios objetivos que ela necessita, mas também pode ser extremamente temerário, já que a elaboração da tabela é de competência de cada SECCIONAL, e não do Conselho FEDERAL.

 

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Por João Gabriel Alves Canossa, advogado associado do Vialle Advogados Associados.

 

[i] § 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
I – o grau de zelo do profissional;
II – o lugar de prestação do serviço;
III – a natureza e a importância da causa;
IV – o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
[ii]  Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: (…)
III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
[iii] Art. 3º. Nos casos em que a Tabela indicar o valor de honorários em percentual e, também, em valor determinado, dever-se-á entender o primeiro como sendo o “percentual mínimo” e o segundo como o “valor mínimo”, devendo ser observado o maior dentre eles de acordo com o caso concreto.
[iv] Art. 292. O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será:
I – na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data de propositura da ação;
[v]https://honorarios.oabpr.org.br/wp-content/uploads/2022/04/resolucao-de-diretoria-03-2022.pdf

[vi] https://oabsc.s3.sa-east-1.amazonaws.com/arquivo/galeria/1_32_5fda513f040fc.pdf

[vii] https://www.oabrj.org.br/sites/default/files/tabela_05_2022_site.pdf

[viii] https://www2.oabrs.org.br/honorarios/