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Testamento não impede realização de inventário extrajudicial

26/08/2022

O Superior Tribunal de Justiça consolida entendimento no âmbito das Turmas de Direito Privado possibilitando a realização de inventário extrajudicial mesmo diante da existência de testamento.                                                                                           

 


 

Não obstante o CPC determine expressamente a judicialização do inventário quando o falecido deixar testamento (art. 610, CPC/151), o Superior Tribunal de Justiça autoriza de maneira definitiva a realização do inventário extrajudicial ao consolidar o entendimento em ambas as Turmas de Direito Privado.

Em 2019, a Quarta Turma do STJ já havia interpretado o artigo de lei nesse sentido (REsp 1.808.767/RJ2 de Relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão). Admitiu-se o inventário extrajudicial mesmo diante da existência de testamento. Entendeu-se, naquele caso, que sendo os herdeiros concordes e capazes não haveria justificativa para se acionar o Poder Judiciário. A única condição seria o registro judicial do testamento ou expressa autorização do juízo competente.

Mais recentemente a Terceira Turma acompanhou o referido precedente no julgamento do REsp 1.951.456/RS3, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, na sessão de 23/08/2022. 

Em síntese, a fundamentação pautou-se na interpretação teleológica do Código de Processo Civil e do Código Civil. A Relatora em seu voto descreveu que, quando dos debates a respeito da criação do diploma processual, o legislador entendia que como o testamento, em grande parte dos casos, é causa de discussão entre os herdeiros, seria obrigatória a via judicial. No entanto, existindo concordância entre as partes capazes, essa limitação não tem razão de existir.

No caso concreto os herdeiros buscavam a homologação do inventário extrajudicial. Porém, em virtude da existência de testamento o pedido foi julgado improcedente, o que foi confirmado por unanimidade pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. No REsp tanto sentença quanto acórdão foram cassados afastando-se o óbice à homologação e determinando o regular processamento do pedido de homologação do inventário extrajudicial.  

Com efeito, a partir dessa decisão ambas as Turmas estão em consonância, sendo inclusive citado pelo Ministro Villas Bôas Cueva a possibilidade de que o Tribunal leve a questão para a Segunda Seção, a fim de orientar os demais Tribunais a respeito do tema.

Nas palavras do presidente da Turma: “é um caso que merece divulgação. É um marco importante no caminho da desjudicialização. (…) Já há um precedente da Quarta, agora um da Terceira (…) é o primeiro aqui na Terceira (…) talvez o próximo caso possa levar isso à sessão”. 

O posicionamento da Corte Federal é importante já que, de um lado, ajuda a desburocratizar o procedimento de inventário, desafogando o Poder Judiciário e, de outro, tem o potencial incentivar a utilização do testamento no país.

 

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1Art. 610. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial.
2RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSO CIVIL. SUCESSÕES. EXISTÊNCIA DE TESTAMENTO. INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL. POSSIBILIDADE, DESDE QUE OS INTERESSADOS SEJAM MAIORES, CAPAZES E CONCORDES, DEVIDAMENTE ACOMPANHADOS DE SEUS ADVOGADOS. ENTENDIMENTO DOS ENUNCIADOS 600 DA VII JORNADA DE DIREITO CIVIL DO CJF; 77 DA I JORNADA SOBRE PREVENÇÃO E SOLUÇÃO EXTRAJUDICIAL DE LITÍGIOS; 51 DA I JORNADA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL DO CJF; E 16 DO IBDFAM.
1. Segundo o art. 610 do CPC/2015 (art. 982 do CPC/73), em havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial. Em exceção ao caput, o § 1° estabelece, sem restrição, que, se todos os interessados forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.
2. O Código Civil, por sua vez, autoriza expressamente, independentemente da existência de testamento, que, “se os herdeiros forem capazes, poderão fazer partilha amigável, por escritura pública, termo nos autos do inventário, ou escrito particular, homologado pelo juiz” (art. 2.015). Por outro lado, determina que “será sempre judicial a partilha, se os herdeiros divergirem, assim como se algum deles for incapaz” (art. 2.016) – bastará, nesses casos, a homologação judicial posterior do acordado, nos termos do art. 659 do CPC.
3. Assim, de uma leitura sistemática do caput e do § 1° do art. 610 do CPC/2015, c/c os arts. 2.015 e 2.016 do CC/2002, mostra-se possível o inventário extrajudicial, ainda que exista testamento, se os interessados forem capazes e concordes e estiverem assistidos por advogado, desde que o testamento tenha sido previamente registrado judicialmente ou haja a expressa autorização do juízo competente.
4. A mens legis que autorizou o inventário extrajudicial foi justamente a de desafogar o Judiciário, afastando a via judicial de processos nos quais não se necessita da chancela judicial, assegurando solução mais célere e efetiva em relação ao interesse das partes. Deveras, o processo deve ser um meio, e não um entrave, para a realização do direito. Se a via judicial é prescindível, não há razoabilidade em proibir, na ausência de conflito de interesses, que herdeiros, maiores e capazes, socorram-se da via administrativa para dar efetividade a um testamento já tido como válido pela Justiça.
5. Na hipótese, quanto à parte disponível da herança, verifica-se que todos os herdeiros são maiores, com interesses harmoniosos e concordes, devidamente representados por advogado. Ademais, não há maiores complexidades decorrentes do testamento. Tanto a Fazenda estadual como o Ministério Público atuante junto ao Tribunal local concordaram com a medida. Somado a isso, o testamento público, outorgado em 2/3/2010 e lavrado no 18° Ofício de Notas da Comarca da Capital, foi devidamente aberto, processado e concluído perante a 2ª Vara de Órfãos e Sucessões.
6. Recurso especial provido. (REsp n. 1.808.767/RJ, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 15/10/2019, DJe de 3/12/2019)
3CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO SUCESSÓRIO. PEDIDO DE HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL DE PARTILHA EXTRAJUDICIAL EM QUE HÁ TESTAMENTO. ART. 610, CAPUT E § 1º, DO CPC/15. INTERPRETAÇÃO LITERAL QUE LEVARIA À CONCLUSÃO DE QUE, HAVENDO TESTAMENTO, JAMAIS SERIA ADMISSÍVEL A REALIZAÇÃO DE INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL. INTERPRETAÇÕES TELEOLÓGICA E SISTEMÁTICA QUE SE REVELAM MAIS ADEQUADAS. EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA LEI Nº 11.441/2007 QUE FIXAVA, COMO PREMISSA, A LITIGIOSIDADE SOBRE O TESTAMENTO COMO ELEMENTO INVIABILIZADOR DA PARTILHA EXTRAJUDICIAL. CIRCUNSTÂNCIA FÁTICA INEXISTENTE QUANDO TODOS OS HERDEIROS SÃO CAPAZES E CONCORDES. CAPACIDADE PARA TRANSIGIR E INEXISTÊNCIA DE CONFLITO QUE INFIRMAM A PREMISSA ESTABELECIDA PELO LEGISLADOR. LEGISLAÇÕES ATUAIS QUE, ADEMAIS, PRIVILEGIAM A AUTONOMIA DA VONTADE, A DESJUDICIALIZAÇÃO DOS CONFLITOS E OS MEIOS ADEQUADOS DE RESOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS. POSSIBILIDADE DE PARTILHA EXTRAJUDICIAL, AINDA QUE EXISTENTE TESTAMENTO, QUE SE EXTRAI TAMBÉM DE DISPOSITIVOS DO CÓDIGO CIVIL. 
1- Ação distribuída em 28/05/2020. Recurso especial interposto em 22/04/2021 e atribuído à Relatora em 30/07/2021. 
2- O propósito recursal é definir se é admissível a realização do inventário e partilha por escritura pública na hipótese em que, a despeito da existência de testamento, todos os herdeiros são capazes e concordes. 
3- A partir da leitura do art. 610, caput e § 1º, do CPC/15, decorrem duas possíveis interpretações: (i) uma literal, segundo a qual haverá a necessidade de inventário judicial sempre que houver testamento, ainda que os herdeiros sejam capazes e concordes; ou (ii) uma sistemática e teleológica, segundo a qual haverá a necessidade de inventário judicial sempre que houver testamento, salvo quando os herdeiros sejam capazes e Documento: 2206628 – Inteiro Teor do Acórdão – Site certificado – DJe: 25/08/2022 Página 1de 5 Superior Tribunal de Justiça concordes. 
4- A primeira interpretação, literal do caput do art. 610 do CPC/15, tornaria absolutamente desnecessário e praticamente sem efeito a primeira parte do § 1º do mesmo dispositivo, na medida em que a vedação ao inventário judicial na hipótese de interessado incapaz já está textualmente enunciada no caput. 
5- Entretanto, em uma interpretação teleológica decorrente da análise da exposição de motivos da Lei nº 11.441/2007, que promoveu, ainda na vigência do CPC/73, a modificação legislativa que autorizou a realização de inventários extrajudiciais no Brasil, verifica-se que o propósito do legislador tencionou impedir a partilha extrajudicial quando existente o inventário diante da alegada potencialidade de geração de conflitos que tornaria necessariamente litigioso o objeto do inventário. 
6- A partir desse cenário, verifica-se que, em verdade, a exposição de motivos reforça a tese de que haverá a necessidade de inventário judicial sempre que houver testamento, salvo quando os herdeiros sejam capazes e concordes, justamente porque a capacidade para transigir e a inexistência de conflito entre os herdeiros derruem inteiramente as razões expostas pelo legislador. 
7- Anote-se ainda que as legislações contemporâneas têm estimulado a autonomia da vontade, a desjudicialização dos conflitos e a adoção de métodos adequados de resolução das controvérsias, de modo que a via judicial deve ser reservada somente à hipótese em que houver litígio entre os herdeiros sobre o testamento que influencie na resolução do inventário.
8- Finalmente, uma interpretação sistemática do art. 610, caput e § 1º, do CPC/15, especialmente à luz dos arts. 2.015 e 2.016, ambos do CC/2002, igualmente demonstra ser acertada a conclusão de que, sendo os herdeiros capazes e concordes, não há óbice ao inventário extrajudicial, ainda que haja testamento, nos termos, inclusive, de precedente da 4ª Turma desta Corte. 
9- Recurso especial conhecido e provido, a fim de, afastado o óbice à homologação apontado pela sentença e pelo acórdão recorrido, determinar seja dado regular prosseguimento ao pedido. (REsp n. 1.951.456/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Quarta Turma, julgado em 23/08/2022, DJe de 25/08/2022)